Mãe, amanhã vou para a escola e vou fazer o meu primeiro amigo. Vou
fazer o meu primeiro amigo e vou dar o primeiro passo para longe de ti.
Mãe, amanhã vou para a escola e vou fazer-me um homem e aprender como
aprendem os homens, a ler e a escrever, a falar e a contar todas as
aventuras que não poderei viver contigo. Porque já não aí estou, porque
me fui embora, mesmo se seja só até à noite, mas é sempre até à noite, e
até à noite todos os dias.
Mãe, amanhã vou para a escola e amanhã não te pertenço mais. Vou ser
parte de turmas e equipas, conhecer derrotas e paixões e tratá-las pelo
nome, perder e aprender, crescer e ensinar. E entretanto vou jogar ao
"guelas" e vou andar à bulha, vou enterrar os óculos que me deste e
levar com o chinelo à frente dos meus colegas todos, professora
incluída, e assim compreender como tantas travessuras apenas acontecem
para um dia deixarem, num repente, de acontecer.
E aos poucos e poucos deixar de ser eu e ser outra pessoa qualquer e
não a mesma que viste nascer, andar e correr, apenas parecido no que à
forma e aspecto dizem respeito, mas ainda o teu filho, e tu ainda a
minha mãe. E talvez por aqui, pela escola, eu consiga ser o Cowboy
Espacial que sempre quis ser enquanto fugia de criaturas e outros
monstros no quintal lá de casa, para assim te poder levar comigo até lá
acima, onde há estrelas sem fim. Ou talvez seja apenas Cowboy, ou Dr.
Cowboy, com canudo e tudo mas sem monstros e sem espaços siderais e
ainda com os pés bem assentes na terra, e tu ainda a minha mãe,
simplesmente orgulhosa. Mas por isso é que tenho de ir para a escola,
que é para ser, mãe, ser alguém, e se não for outro qualquer, que seja
eu mesmo, mas noutro sítio, noutro mundo, noutra casa e entre outras
paredes, porque a porta já está aberta e a rua cheia de sol enquanto
alguém chama por mim mais todas as crianças do mundo.
Só te peço uma coisa: espera por mim como se eu um dia voltasse a
esses braços ao redor do teu ventre, e acredita. Acredita em como vou
aprender todos os modos através dos quais cuidaste de mim, para assim
poder cuidar de ti quando, um dia, for chegada a altura de te ver
nascer.
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